Infelizmente, nos últimos tempos, este meu secreto prazer anda a ser contrariado por uma corja de “designers” (todos pós-adolescentes com visão perfeita) que resolvem inventar letras minúsculas, absolutamente ilegíveis sem o recurso a meios auxiliares, tipo lupa, microscópio ou, vá lá, óculos de ver ao perto. Acho que fazem de propósito, para que ninguém leia o que lá se escreveu.
Acontece que eu gosto de ler contra-rótulos precisamente pelo que lá vem escrito. Muitas vezes está lá informação pertinente, como as castas de que o vinho é feito, ou até educativa, como o excerto de uma poesia de Miguel Torga. Mas, confesso, leio todos os contra-rótulos que apanho, sobretudo, porque me deleito imenso com a total e absoluta inutilidade da grande maioria da informação apresentada.
É uma inutilidade tão diversificada que até pode ser agrupada por temas. Há os contra-rótulos auto avaliativos: “este magnífico vinho”; “este néctar precioso”; “um tinto cheio de personalidade e carácter” (a garrafa custava €1,90, a personalidade é barata hoje em dia). Há também os contra-rótulos falinhas mansas: “fizemos o nosso melhor para levar até si este vinho”; “esperamos que este vinho lhe dê tanto prazer a si quanto deu a nós criá-lo” (desconfio sempre das falinhas mansas…). Aprecio igualmente o contra rótulo gastronómico: “óptimo com peixe e saladas”; “perfeito com caça de pena e queijo” (a julgar pelo número de vezes que esta sugestão se repete, acho que metade dos vinhos portugueses são para beber com caça e queijo); “sirva com a gastronomia tradicional alentejana de porco preto ou a inconfundível sopa de cação” (quem queria comer tripas à moda do Porto ou bife com ovo a cavalo, é melhor escolher outro vinho).
Mas os contra-rótulos que mais me entusiasmam são os contra-rótulos tecnológicos. Acho que é neste grupo temático que a inutilidade informativa atinge o seu apogeu. Não imaginam a quantidade de contra-rótulos que asseguram que o vinho foi produzido a partir de “uvas seleccionadas”. Alguns reforçam a mensagem, juntando um “criteriosamente” antes do “seleccionadas”. Quando leio esta deliciosa expressão interrogo-me sempre a que vinho foram parar as outras uvas, as tais, as que foram seleccionadas com menos critério, ou as que não foram seleccionadas de todo…
A temática tecnológica incide sobretudo na adega. Há contra-rótulos que ficam pela rama, não querem contar todos os segredos, malandros: “bica aberta”; “feito de forma tradicional”; “fermentado a baixas temperaturas”. Outros, porém, sabem que os detalhes têm uma importância desmesurada para o consumidor, sendo fundamental conhecer absolutamente tudo para melhor apreciar o vinho: “fermentação em cubas inox à temperatura de 26ºC, com maceração pós fermentativa prolongada durante 16 dias” (se fossem 17 dias, ou 15, o vinho não seria tão perfeito); “fez a maloláctica na barrica“ (malo quê? dirão os mais distraídos, mas esta preciosa informação é só para especialistas); “passou 16 meses em barricas de carvalho francês de Allier grão fino tosta média” (nah, esse é para amadores, vou levar este outro que passou 22 meses em barricas de carvalho Nevers, grão médio, tosta forte, coisa de macho).
Termino esta digressão pelo apaixonante mundo dos contra-rótulos, com mais um contra-rótulo tecnológico, um dos meus preferidos:”pisa mecânica em lagares de mármore alentejano, escolhidos pela sua inércia térmica (15 cm de espessura) e geometria larga e baixa (3m x 3m x 1m)”.
Felizmente, Portugal não é França, onde os contra-rótulos são raros e parece que toda a gente tem obrigação de saber que o “Château Nãoseiquê” é feito com Merlot e Cabernet e fez maceração pós fermentativa de 30 dias. Sinceramente, não percebo como é que os franceses conseguem viver sem contra-rótulos nos seus vinhos. Eu, não dispenso.
Luis Lopes
Revista de Vinhos
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